Estava eu remexendo uns papéis e encontrei um trabalho da Faculdade sobre "Preconceito e uma nova forma de ver o mundo". Achei bacana falar aqui sobre um lance de preconceito que já vivenciei, e que, vamos admitir, certas coisas não passam em branco.
Sou de origem pobre, nascido na Capital do Rio de Janeiro, criado em Cabo Frio/RJ, sou o sétimo filho (por isso mesmo me acho meio lobisomem) de uma dona de casa com um pescador (sim, pescador e sempre tive orgulho dele, além do mais cresci comendo lagosta tá? e sem pagar nenhum centavo por elas..rsrs).
Daí que um dia conheci um figura de Nova Friburgo/RJ, filho de comerciante, meio Patricinha, chamado Assis (sim, esse era o nome verdadeiro do FDP). Então o carinha tava super empolgado comigo, pegou o carro e desceu a serra pra vir me encontrar. Estávamos num papo super descontraído e afinado, ele parecia bem interessado, estávamos conversando sobre tudo, até que no meio de uma conversa qualquer, eu naturalmente falei qual era a profissão do meu pai. O carinha transfigurou-se e me olhou como se estivesse olhando um doente contagioso: "Ah, seu pai é pescador, é...?"
Bem, eu não acreditei que em pleno ano de 2000 e qualquer coisa eu estava escutando aquele tipo de coisa, mas respirei fundo e mandei: "Pescador sim, com muito orgulho, e quer saber? Ele criou sete filhos, deu comida, escola e educação, mas acho que o seu pai com muito mais dinheiro só conseguiu te dar comida, carro e escola. Porque educação passou longe." Dei um "tchau" e nunca mais o vi. Sorte a minha.
Isso me fez lembrar José Saramago em Ensaio sobre a Cegueira e seu filme homônimo, cuja a estória usa como pano de fundo a ficção de uma epidemia mundial de cegueira, para mostrar o quanto podemos ser maus por conta de nosso preconceito, pois, nesta sociedade terrivelmente imperfeita em que vivemos, é justamente nossa visão (literal e metafórica) que muitas vezes nos cega para o que realmente importa, distorcendo nossas opiniões em função de preconceitos estúpidos (e existe outro tipo?) que, ao manterem nosso foco no superficial (a cor da pele, a orientação sexual, a etnia), impedem que enxerguemos o real valor daqueles que nos cercam.
Aliás, seguindo esta lógica temática (e, claro, as intenções alegóricas da narrativa), é mais do que natural que os personagens não tenham nome, sendo identificados apenas por suas profissões (o Médico, o Contador), por suas relações mais significativas (a Mulher do Médico) ou por suas características mais marcantes (o Garoto Estrábico) – e não é justamente assim que costumamos definir, de maneira simplista e injusta, aqueles que nos cercam?
A obra de Saramago critica os valores sociais, mostrando-os frágeis, pois onde ninguém vê, teoricamente nada aparece, elucidando que os valores, sejam morais ou materiais, são atribuições que homem faz. Neste contexto, a obra mostra desde aventuras sexuais, o pudor, que já não existe porque não é visto, até à imundície que se instala por toda a cidade.
Advogando a tese de que aquelas pessoas (todos nós, na realidade) já viviam num estado de cegueira antes mesmo de perderem a visão, o filme, assim como o livro, sugere que:
somente ao perdermos a capacidade do pré-julgamento nos tornamos realmente capazes de estabelecer uma conexão verdadeira com o mundo ao nosso redor – e mais: que a única cura possível para este isolamento auto-imposto (a “cegueira” de Saramago) é o reconhecimento inequívoco de que, afinal, dependemos profundamente uns dos outros e que enxergar de fato o próximo é, acima de tudo, um exercício de tolerância e amor.
Beijos, e lembrando que PRECONCEITO É BURRICE!
Um comentário:
nossa, eu simplesmente amo Ensaio sobre a Cegueira, amei o texto e amo Cabo Frio.
Tb sou de filho de pai pescador e com muito orgulho disso.
Por falar nisso, até fiquei com um pouco de medo... qual seu nome?!
aehaeuaheuhae
o trem do susto posso nao te contar pessoalmente, mas e msn serveria?
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